sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Espíritos - parte V

O fim

     Difícil explicar como me sentia. Era insuportável fitar a mim mesma diante do espelho. Não tinha palavras, não tinha voz. Apenas sentimentos confusos, sensações perturbadoras que me confundiam demasiadamente.
     Como pude ser tola e não perceber a armadilha? Aquelas mãos. As mesmas mãos que me sufocaram por anos. Minha pele estava impregnada pelo toque, o cheiro e a força daquele belo misterioso. Sinto tudo novamente. Mas, o toque se iguala ao fogo ardente, o cheiro parece enchofre e a força me empurrava para o abismo de minhas doces lembranças.
     Agora sei que meu visitante era o mesmo que havia me aparecido em sonho e me seduzira antes mesmo de eu o conhecer. Era o mesmo que vinha me assombrando por anos a fios. Contra o qual travava uma batalha, um jogo de braços para saber quem era mais resistente e persistente. Com tristeza e assombro, via que a vitória se distanciava cada vez mais de mim. Assim, me encontrava presa a ele sem poder dizer para quem quer que fosse sobre meu tormento. Ninguém me acreditaria, me chamariam de louca.
     Voltei a me deitar, queria ficar escondida do mundo. Precisava pensar. Parecia estar num vendaval. Vozes, imagens se faziam presentes fora da minha mente. Era tudo muito confuso. Luzes iam e vinham, me deixando tonta e fraca.
     As mãos não mais me sufocavam e, sim, me tocavam com carinho. Eu não via ninguém, estava sozinha e sabia que era ele tentando me enganar com sua gentileza. Isso me causou um medo profundo, nunca sentido por mim antes. Algumas vozes,  desesperadas, gritavam: 'Volte...volte...'. Outras, suplicavam: 'Fuja, enquanto há tempo'. Eu não sabia a que vozes escutar. Me senti perdida. E os espectros passeavam a minha volta, penetravam minha mente caçoando de mim: 'Agora não tem mais volta...já é uma de nós'. Revelação maldita esta.
     Me pus numa fuga louca, correndo e me vi sem rumo. Só me surgiam obstáculos, paredes, árvores, pessoas, abismos e escadas. Procurava por alguém que pudesse me ajudar. E chegava a conclusão de ter enlouquecido como era, de certo, o desejo de meu belo e misterioso algoz. Então, percebi que não estava em mim, havia saído e me distanciado de meu corpo. Era um espectro. As vozes que me diziam 'volte' queriam que eu reencontrasse meu templo de carne e osso. As outras que me diziam 'fuja...', sabiam que assim eu me perderia num caminho escuro e não encontraria meu retorno.
     Estando desta forma num labirinto, vi profissionais do resgate me levando para uma ambulância. Havia amanhecido fria, meus familiares me chamavam e eu não respondia. Sabia que ainda estava lá, em coma e poderia voltar. Por ter sido forte durante anos teria a chance de retornar mas tinha que ajudar outras almas perdidas. Caso contrário, seria dele por toda a eternidade. Mil almas pelo tempo que duraria a minha vida não fosse por este episódio. Como não sei quanto tempo viveria, devo considerar o mínimo e ter pressa.
     Portanto, caso precise de ajuda, eu me apresento para você agora e peço licença para te proteger e invadir seus sonhos:
    _Meu nome é Soraia. Tenha uma boa noite!

Espíritos - parte IV

A armadilha

     Sabe quando você não se sente com ânimo para fazer algo, mas, uma força maior te leva a agir exatamente ao contrário?
     Eu não tinha a menor intenção de ‘curtir’ à noite, queria ficar em casa, assistir TV e dormir cedo. No entanto, acabei saindo com umas amigas, por insistência delas.
     Depois de certo tempo no barzinho, após algumas bebidas, minha atenção foi chamada por alguém sentado no outro lado do bar. Ainda não havia visto o seu rosto. Porém, não conseguia parar de olhar em sua direção. Algo em seus gestos era com um imã, para mim. Enquanto pensava nisso, um amigo de uma das meninas parou ao lado de nossa mesa e nos ofereceu uma bebida, em nome de seu amigo que gostaria de me conhecer. Perguntou-me se eu poderia ir até sua mesa. Já ia respondendo que não e neste momento o rapaz misterioso virou-se e eu entrei em pânico. Senti-me como se rodopiasse pelo ar. O sonho me veio à mente: a montanha, o caminho, o belo. De qualquer forma algo me dizia que não deveria ir, mas fui. Não resisti. Não consegui resistir.
     Como se atraída por um poderoso imã, caminhei em sua direção. Ele se levantou, recebendo-me com o sorriso mais encantador do mundo. Era difícil manter o alerta, mas também, era impossível ignorá-lo.
Ele ia falando sobre vários assuntos, só que eu não conseguia ouvir nada. Apenas percebia aquele sutil sorriso e seus olhos fixados nos meus. Sabia que deveria ir embora, deveria me distanciar. Sentia o perigo e não conseguia me desvencilhar daquela magia que impregnava o ar e me envolvia.
     A única coisa que entendi era o fato de ele ser novo na cidade, não tinha parentes vivos, não tinha vínculos com ninguém. O amigo que estava com ele era recente. Conheceram-se num acidente de carro no qual lhe deu auxílio, socorro. A gratidão do outro foi tamanha que resolveu apresentar-lhe a cidade.
     E, ali estava, olhando para mim como se eu fosse a jóia mais preciosa do mundo. Percebi que ele queria me tocar o rosto. Era visível o desejo de seus olhos penetrantes. Sentia repulsa e ao mesmo tempo atração. Sentia medo dele e ao mesmo tempo, a pessoa mais segura do universo.
     Num determinado momento, ele se levantou e me deu a mão numa reverência quase medieval. Sem pensar retribui o gesto e sem qualquer resistência o acompanhei. Tive a impressão de navegar em meio às estrelas que ponteavam o céu, de mergulhar no mais profundo dos oceanos. Fui levada por uma brisa fresca e perfumada que se transformava em uma nevasca densa de sedução.  
     Deixei que me fizesse sua naquela noite. Deixei que me envolvesse em seus encantos e fui tomada por intensa magia. O prazer nos fazia vibrar, o instinto mais primitivo era palpável. Caí num turbilhão de emoções, sentia-me confusa, sentia prazer e queria mais. Nesta noite, nesta única noite, ele me fez parte dele. Tomou-me para si.
     Acordei em minha casa, despertada por uma gargalhada gutural, assustadora. O desespero tomou conta da minha mente e percebi que jamais seria a mesma.
     
                                                              Continua... ( a última parte deste conto será publicado hoje, 13/01/12 às nove horas da noite, não deixem de ler )

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Espíritos - parte III

A Pista

    Meses, anos se passavam e uma voz sussurrava em minha mente: 'Procure, procure'. Procurar o quê? Eu não entendia. Cada olhar, cada sorriso brilhava aos meus olhos como uma falsa luz. Não acreditava que estava em uma busca incessante pelo mistério, pelo desconhecido mistério há muito enterrado em minh’alma.
    Por quase todas as noites destes cinco anos, as mesmas mãos gigantes me agarravam me sufocando até o ponto de meu coração pulsar na garganta com o afã de querer saltar mundo afora.
    O medo de morrer esmagada pelo invisível era torpemente prazeroso. O perigo me causava uma sensação maluca de curiosidade. Eu não queria e ao mesmo tempo queria tais visitas. E o dono destas mãos sufocantes, que se tornaram minhas algozes, sabia disso e se divertia, com certeza.
    As Mãos passaram a surgir em noites determinadas pelos dias nos quais vivia situações mais estressantes. Era-lhe muito propício, pois me sentia mais fragilizada, não só fisicamente, mas também mentalmente. Achava que sua tentativa seria de fazer com que eu me entregasse com mais facilidade aos seus intuitos.
    Era impossível esboçar qualquer pedido de socorro, minha voz não saia. Somente eu podia ouvi-la. Precisava ser tocada por alguém de carne e osso, alguém que estivesse vivo. Toda vez em que achava que havia chegado ao fim, quando meu corpo já não agüentava mais lutar, quando parecia que meu coração iria explodir e espalhar-se pela escuridão de meu quarto, elas me soltavam e faziam uma leve carícia em meu rosto. Evidentemente querendo me dizer que para meu visitante, a noite havia sido boa e divertida. Eu sempre estava ofegante demais e sentia prazer neste instante de liberdade. As visitas se intercalavam com meus passeios mentais. Meu espírito se negava a aventurar-se.
    Outros eventos começaram a ocorrer. Eu via pessoas conhecidas em locais que sabia não estarem lá. Só que mais tarde, mesmo no meu silêncio, elas me diziam ter sonhado com estes lugares e que eu estava em seus sonhos. Sempre do mesmo jeito: deitada em uma cama suspensa, rodeada por um jardim de tulipas amarelas. Que por sinal, são minhas prediletas
    Comecei a me sentir confusa. Não seria possível ter participação nos sonhos das pessoas. Eu as observava de forma passiva e não conseguia evitar. Com o passar do tempo podia controlar, melhor, escolher quem teria minha presença em seus sonhos. Não tinha muito a ver com lógica ou qualquer outra explicação. Bastava pensar numa determinada pessoa e pronto. Quando começava a sonhar era no sonho desta pessoa que eu estava.
    Percebi este fato e comecei a pensar em alguém que não conhecia. Imaginei que outras pessoas tinham a mesma capacidade, pois eu não seria única a sonhar com quem não conhecia. Mas, tinha dúvidas. Ele, o meu visitante, me sorria estrondosamente ao final da noite. Assim, eu tinha a certeza de que deveria fugir deste insano prazer. Afinal, ele poderia se tornar macabro.

                                           Continua...

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Espíritos - parte II

O sonho


     Pois bem, já estava cansada de visitas inesperadas. Ainda mais sendo de onde nem sei. Ou o quê realmente elas são, ou quem as mandou. Se é que tem como mandar em coisas assim, se há como elas serem mandadas. Tinha dúvidas de sua origem, portanto, não me sentia tão animada em recebê-las. Apesar de toda a minha curiosidade, algo em mim se recusava a gostar e me sentir satisfeita a ponto de atingir o êxtase com o 'fato'. Me sentiria uma pecadora se gostasse, se sentisse prazer com isso. 
     Gostaria de ter coragem para estudar o assunto. Porém, não queria ser cobaia de mim mesma e nem de outros. Fiquei calada no que se referia a minha curiosidade. Quando acontecia de eu comentar com alguém, o fazia demostrando pleno controle sobre o 'fato'. Uma coisa era certa, acabava quando eu dizia que não queria mais. Este foi o engano, me foi dada a impressão de ser algo não-ruim. 
    De qualquer forma, filha do meu pai e da minha mãe que sou, aprendi a desconfiar de tudo, de todos. Assim, não entreguei os pontos. Eu confio em mim e olhe lá. Então veio o golpe baixo. Semanas, meses de ausência e sem esperar a tranquilidade. Numa noite como outra qualquer do passado, presente e do futuro, eu tive um sonho. Um sonho revelador, encantador e - não se esqueçam, misterioso. O mistério me encanta, como se tivesse perfume de flores de um jardim mais que suspenso. Cheio de cores e sabores. Repleto de magia, sedução.
     Havia um caminho em volta de uma montanha e pessoas que o pegavam por trilha. Era como num desenho. Este caminho circulava toda a imensa montanha rochosa e quanto mais andávamos mais o caminho se estreitava. Éramos um grupo formado por homens e mulheres. Na metade do percurso, quando a metade exata do grupo já havia avançado tal trecho, chegou a minha hora de passar  e foi quando o vi pela primeira vez.
     Alguém, aos meus olhos muito formoso, belo. De rosto iluminado. A força da beleza era pulsante em meus poros. Era difícil desviar o olhar. Fui tomada da mais incrível emoção da minha vida. E eu o amei naquele instante com toda a força de minha vontade que nem sabia existir.
    Tudo ocorrendo em milésimos de segundos e parecendo uma eternidade. Era como se eu visualizasse toda a vida que ainda não havia vivido. Uma ânsia imensa de algo desconhecido por alguém que me era desconhecido. Eu sabia que era um sonho e ele também. Então me disse que eu não me lembraria dele nem do sonho até o dia em que o conhecesse de verdade. E, ao lembrar do sonho, saberia que era ele.
     Quando eu acordei, sabia que sonhara com algo importante, a sensação de pleno prazer estava aqui, latente. Eu só não sabia que, apesar de ser verdadeiro e mútuo o sentimento, a fraqueza faria do mesmo uma armadilha cinco anos mais tarde.
                                                                  continua . . .

domingo, 8 de janeiro de 2012

Espíritos - parte I

O começo    

     É incrível como certas coisas nos acontece. Já teve aquela sensação de já ter estado num lugar onde nunca esteve? Já sonhou com pessoas que nunca viu? Já passeou enquanto dormia? Eu já. 
     Há quem não acredite. Eu, por mim, mesmo já tendo vivido este tipo de experiência, não digo de boca cheia "Acredito". Certas coisas são inacreditáveis. Nem mesmo com experiência pessoal encontra-se palavra suficiente que nos convença do fato.
     Então por quê estou escrevendo? Tento exprimir com minhas companheiras, as palavras, a sensação do absurdo, do inacreditável, do mistério.
     A primeira vez que ocorreu o 'fato', como era algo desconhecido fiquei um pouco apreensiva. Com um pouco de medo, confesso. Não sabia o que era ou o que poderia ser, ou não queria acreditar no que era. Dúvidas, todo o mistério gera dúvidas. 
     Mas, creio que o medo era mais pela razão das batidas do coração: aceleradas. A sensação física era de duas mãos gigantes segurando o meu corpo e o apertando causando formigamento. A voz grita sem poder ser ouvida. E espectros voando a minha volta, ora enormes e ora tão pequenos que podiam atravessar meu corpo. Faziam isso na minha cabeça, ultrapassando-a como se quisessem penetrar meus pensamentos e colher meus mais profundos segredos. Isso sim, era assustador. Poder saber algo sobre mim que somente eu e Deus sabemos.
     Por vezes me vi em situações de ser duas, cada uma numa posição na cama. O corpo dormia e o espírito queria sair, andar, passear. Ainda bem que tinha medo, a mente interligava as duas partes de mim e elas não sabiam se seria possível retornar desta aventura. Por mais tentada pela curiosidade que eu fosse, jamais me arrisquei o suficiente. E nem quero. Não me sinto neste direito.
    O fato ocorreu por mais duas ou três vezes até meus dezessete anos. Eu sempre fiquei imaginando o motivo de isso ter acontecido comigo. No fundo eu sabia e não queria pensar. Mas há coisas que não podem ser evitadas por tanto tempo. E assim, nos deparamos com o que é inacreditável e com o que é inevitável. 
     E aos dezessete anos, aconteceu o que mais tarde viria a ser o mais impossível, inacreditável e assustador episódio da minha vida.

                                                   continua...


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